quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

... da Lapónia ao Algarve: uma longa viagem de muito pouco!


Arto Paasilinna (n. Kittilä; Finlãndia 1942); em "Um Aprazível Suicídio em Grupo"; tinha desde à priori uma temática aliciante que poderia resultar, em um grande romance, poderia... é certo, mas infelizmente a leitura foi menos aprazível do que seria o suicídio. Explanando um dos grandes problemas existentes nos países escandinavos, (a elevada taxa de suicídio), Arto teria com algum engenho alcançado um romance duro, seco e frontal, sem a necessidade de uma tão profunda densidade de dostoiévskiana, mas com alguma como a temática o exigia, todo o livro teria sido bem diferente. Mas infelizmente nas 204 páginas do mesmo, o que se matiza é quase sempre um pouco mais do mesmo, escassos exemplos de rica literatura.
(Em entre linhas o enredo do romance é o seguinte: no dia de São João, (festa da luz, na Finlândia) Onni, pretende-se suicidar, no entanto no mesmo sítio onde poria fim à vida, outro, Kemppainen decide igualmente o mesmo. Onni acaba por salvar Kemppainen, e ambos decidem então, criar uma organização que pretenda reflectir este problemática, não com o fito de terminar com a pretensão, mas outrossim com o propósito de um suicídio colectivo). A leitura torna-se um tanto enfadonha aquando a interminável viagem por estas terras gélidas, pelo facto de a maioria dos candidatos a suicídio, que contactaram este grupo, e que agora serão resgatados terem estórias que apesar de conteúdo diferente, são retratadas pouco densamente, de forma pouco literária e mais jornalistica, outro ponto pouco interessante é que quase como um GPS o livro dá um itinerário extenuante de todos os lugares por onde passam, onde ficam durante a noite, que compras fazem... Situações que não interessam minimamente. O autocarro que transporta o grupo, decide sair da terra-natal, e prepretar o suicídio num qualquer outro ponto do continente europeu, depois da Suíça, o ponto reservado será em Sagres; sendo que o final, muitas páginas antes já vislumbramos qual será... um comovente "The End" bem na senda da tradição da tela-dramaturgia. De facto o que faz que não nos suicidemos do livro (leia-se abandonemos a leitura) é o facto de os capítulos, curtos, renovarei-nos sempre as esperanças de mudança e decidirmos tal como eles continuar a viagem... para um fim!

"Um Aprazível Suicídio em Grupo" 1990; Arto Paasilinna; Relógios D`Água 2010. Tradução de: Merja de Mattos-Parreira e Ana Isabel Soares.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

... a POÉTICA ARBITRAGEM ou O APITO do INCORRUPTÍVEL ÁRBITRO

Sinal Vermelho

No carro ao

lado alguém desconhecido

exibe o seu Record no tablier

Como eu partirá quando o apito

do incorruptível árbitro o expulsar

de vez.


Gastão Cruz

In
Crateras

Assírio & Alvim (2000)




Este poema é de uma elegância notável! Gastão Cruz (n. Faro 1941) retrata de forma exímia e irónica, os tantas vezes comentados casos de erros ou “suposta” corrupção na arbitragem, mas sem matizar a temática com o lado rude e taberneiro, de que esta quase sempre se veste. Gastão, poeticamente trata da questão não em seis versos, mas, mais precisamente em uma palavra “incorruptível”. Existindo aqui uma estrita conexão com a morte, “quando o apito/ do incorruptível árbitro o expulsar/ de vez”. Leia-se quando Deus, ou um Ente Superior ou o Destino, ou a Biologia. Todo este poema tem um lapso temporal de provavelmente nem um minuto, aquando parado em um qualquer semáforo, à espera do sinal verde, e de um olhar para o automóvel ao lado, onde um qualquer desconhecido viajava com seu jornal desportivo. Este versos como relâmpagos, devem ter surgido em Gastão, que (imaginemos) rapidamente os escreveu num qualquer papel perdido em seu carro. O poema apesar de tratar de um lado desonesto, não veste uma roupagem moralista, não existe uma lição moral a reter, exceptuando a que o Árbitro que os e nos, expulsa de vez é incorruptível.