sábado, 15 de janeiro de 2011

Miguel Torga: à procura da "alma profunda"!



Miguel Torga (pseudónimo de Adolfo Correia Rocha) (n. São Martinho de Anta 1907 — m. Coimbra 1995). É um escritor exemplar, dando jus ao nome desta planta de fortes raízes na terra, também ele, enraizado em seu povo, pinta-o em seus textos, tendo sido dos mais profícuos que Portugal neste século XX conheceu. Influenciando mais que uma geração, mas a própria Arte Literária, no seu todo. Tendo sido galardoado em 1989 com o prémio Camões, distinção áurea das Letras do Mundo Lusófono. As suas letras quer em Romance, quer em Conto, quer na Poesia, quer ainda e não menos, em simples mas profundas notas de Diário, mantêm a sua aura, que brilhantemente iluminam e grandificam todo um Povo. A obra que vos trago "Contos da Montanha" escrita no início da década de 40, do século passado, é exemplo de toda a grandeza de escrita de Torga. Cada conto retratando de forma exemplar um povo, o seu povo, o nosso povo genuíno do interior, de Trás-os-Montes. Torga pinto com o preciosismo de muito poucos, os sulcos das rugas daqueles faces, gretadas pelo tempo, gretadas pelo frio, pela fome, por uma terra abandonada, entre serras intransponíveis e penhascos imensos; mas também vai descobrindo essa "alma profunda", esse tesouro imenso, verdadeiro rosto destas gentes. Cada pequena estória, imensa daquele verdade que nos prespassa e nos matiza em personagem destes lugares, tornando-nos parte como as pedras do chão, como as enxadas, como as lágrimas, também estas derramadas. Personagens feitas de carne, suor e sangue, em noites tenebrosa, gélidas, pesadas de solidão e de fome. Gentes que na sua simplicidade vivem cada dia, nos árduos trabalhos do campo, com um sol que os escraviza de trabalho. As crenças na vida, em um que nasce filho, em um santo de barro porque oram; estórias onde, apesar da vida de misérias, alimentam em si uma candeia de esperança, num futuro incerto, onde que sabem que somente sofrimento. Uma obra de caminhos tenebrosos, tortuosos, difíceis, mas que retrata de forma sublime a essência das montanhas e de suas gentes, heróis de: (a)Trás-(d)os-Montes.

Contos da Montanha 1941; Miguel Torga; Planeta DeAgostini 2003; 158 páginas.

sábado, 8 de janeiro de 2011

... em cima de um (o) cerro maior: vislumbre de um Alentejo


"Cerromaior" de Manuel da Fonseca (n. Santiago do Cacém 1911 - m. Lisboa 1993), é uma paleta de cores, infelizmente negros e pesados tons, de um Alentejo rural matizado pela exploração, pelo desalento, pela miséria. A trama desta obra, de Manuel da Fonseca, tem a sua génese, na relação existente entre Senhores e Camponeses. Por um lado temos nos primeiros a riqueza, o poder, a ganância por conquista de um maior quinhão de força. Por outro lado e os verdadeiros heróis desta obra, os trabalhadores dos campos, ceifeiros, pobres, miseráveis, suando muito por cada pão, por cada exíguo pão. Manuel da Fonseca, escritor cimeiro do neo-realismo português (e infelizmente um pouco esquecido) retrata de forma sublime todos estes ambiente, intercalados o retrato de uma sala de estar, em que uma menina aprende francês e toca piano, mas também a caracterização pungente de uma casa, pobre, muito pobre onde muitos são os filhos e pouco é o pão, para tantos, e o desempero, de impotencia perante aquela vida, que não será de todo alterada, uma vida de choro onde no entanto não há tempo sequer para chorar. Onde nem sequer se pode ter uma opnião contra quem ordena, mesmo que deles faças parte, em um ambiente represivo, denso. À imagem do que se passava na época, este é um retrato do Alentejo, mas que nele se expressa todo um país esmagado pelo medo, pela repressão, por um regime dictatorial, que marcou a ferro e fogo todo um país. (voltando à obra) Todo este retrato de injustiça social, tendo sob pano de fundo o Alentejo, o horizonte dourado sob a aragem que o enfeitiça, num horizonte distante (leia-se também em "horizonte" também "esperança") de um Alentejo perdido, onde um céu pesado o sufoca e o esmaga, um céu feito de homens daqueles que ordenam, vis.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

... Italy Calvino ou um Atalho para: Itália!


Este romance, o primeiro de Ítalo Calvino (n. Cuba 1923 — m. Siena (Itália) 1985); poderá decepcionar quem estaria à espera de uma envoltura psicológica tenebrosa e inquietante, apesar de ser de letras leves estas são no seu íntimo, duras e densas. A obra que se apresenta deverá ser encontrada no "atalho" que ela própria proclama. Neste caso concreto o atalho não servirá para chegar mais celeremente ao destino, mas para entender melhor o caminho que para tal ponto nos conduz.
Tudo volteia, Pin (a meu ver uma personificação da própria Itália, nesses tão conturbados tempos, de pós-II GM). Este miúdo ("piccolo" como dizem os italianos), órfão, vive com a irmã, (esta uma prostituta) em um beco, perdido em Roma. Esse seu Universo, de misérias e desolações, mas também de sonhos; os sonhos de Pin; ele que por um lado há muito deixou de ser criança, (há muito esse estado que, para além de físico; é psíquico); no entanto ainda não é adulto. Esta temática não é retratada nas tão conhecidas birras do "quando for grande...", mas de forma séria em entre-linhas, desenhada. Toda a trama, se matiza nesta busca, por este último mundo, matizando-se no caminho de Pin, por um paralelo que divide os dois pólos, sem no entanto pertencer a nenhum dos dois. Sendo naõ esquecer a história italiana, e todo o pesado presente que viveu, mas um presente um se vislumbra alguma, mas existente esperança. Todo o livro é um grito, um clamor pela descoberta da nossa identidade (quer pessoal, quer também colectiva). O "ninho das aranhas" é essa tal realidade: a sua imagem incaptável, o seu verdadeiro e real "eu", o seu segredo, o seu lugar apátrida no Mundo. E o atalho, o caminho, para o seu auto- (e também da Itália) conhecimento.

"O Atalho do Ninho de Aranhas" (1947); Ítalo Calvino; Teorema 2010; 230 páginas.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

... da Lapónia ao Algarve: uma longa viagem de muito pouco!


Arto Paasilinna (n. Kittilä; Finlãndia 1942); em "Um Aprazível Suicídio em Grupo"; tinha desde à priori uma temática aliciante que poderia resultar, em um grande romance, poderia... é certo, mas infelizmente a leitura foi menos aprazível do que seria o suicídio. Explanando um dos grandes problemas existentes nos países escandinavos, (a elevada taxa de suicídio), Arto teria com algum engenho alcançado um romance duro, seco e frontal, sem a necessidade de uma tão profunda densidade de dostoiévskiana, mas com alguma como a temática o exigia, todo o livro teria sido bem diferente. Mas infelizmente nas 204 páginas do mesmo, o que se matiza é quase sempre um pouco mais do mesmo, escassos exemplos de rica literatura.
(Em entre linhas o enredo do romance é o seguinte: no dia de São João, (festa da luz, na Finlândia) Onni, pretende-se suicidar, no entanto no mesmo sítio onde poria fim à vida, outro, Kemppainen decide igualmente o mesmo. Onni acaba por salvar Kemppainen, e ambos decidem então, criar uma organização que pretenda reflectir este problemática, não com o fito de terminar com a pretensão, mas outrossim com o propósito de um suicídio colectivo). A leitura torna-se um tanto enfadonha aquando a interminável viagem por estas terras gélidas, pelo facto de a maioria dos candidatos a suicídio, que contactaram este grupo, e que agora serão resgatados terem estórias que apesar de conteúdo diferente, são retratadas pouco densamente, de forma pouco literária e mais jornalistica, outro ponto pouco interessante é que quase como um GPS o livro dá um itinerário extenuante de todos os lugares por onde passam, onde ficam durante a noite, que compras fazem... Situações que não interessam minimamente. O autocarro que transporta o grupo, decide sair da terra-natal, e prepretar o suicídio num qualquer outro ponto do continente europeu, depois da Suíça, o ponto reservado será em Sagres; sendo que o final, muitas páginas antes já vislumbramos qual será... um comovente "The End" bem na senda da tradição da tela-dramaturgia. De facto o que faz que não nos suicidemos do livro (leia-se abandonemos a leitura) é o facto de os capítulos, curtos, renovarei-nos sempre as esperanças de mudança e decidirmos tal como eles continuar a viagem... para um fim!

"Um Aprazível Suicídio em Grupo" 1990; Arto Paasilinna; Relógios D`Água 2010. Tradução de: Merja de Mattos-Parreira e Ana Isabel Soares.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

... a POÉTICA ARBITRAGEM ou O APITO do INCORRUPTÍVEL ÁRBITRO

Sinal Vermelho

No carro ao

lado alguém desconhecido

exibe o seu Record no tablier

Como eu partirá quando o apito

do incorruptível árbitro o expulsar

de vez.


Gastão Cruz

In
Crateras

Assírio & Alvim (2000)




Este poema é de uma elegância notável! Gastão Cruz (n. Faro 1941) retrata de forma exímia e irónica, os tantas vezes comentados casos de erros ou “suposta” corrupção na arbitragem, mas sem matizar a temática com o lado rude e taberneiro, de que esta quase sempre se veste. Gastão, poeticamente trata da questão não em seis versos, mas, mais precisamente em uma palavra “incorruptível”. Existindo aqui uma estrita conexão com a morte, “quando o apito/ do incorruptível árbitro o expulsar/ de vez”. Leia-se quando Deus, ou um Ente Superior ou o Destino, ou a Biologia. Todo este poema tem um lapso temporal de provavelmente nem um minuto, aquando parado em um qualquer semáforo, à espera do sinal verde, e de um olhar para o automóvel ao lado, onde um qualquer desconhecido viajava com seu jornal desportivo. Este versos como relâmpagos, devem ter surgido em Gastão, que (imaginemos) rapidamente os escreveu num qualquer papel perdido em seu carro. O poema apesar de tratar de um lado desonesto, não veste uma roupagem moralista, não existe uma lição moral a reter, exceptuando a que o Árbitro que os e nos, expulsa de vez é incorruptível.